Internet e história do tempo presente

Dica de leitura: Internet e história do tempo presente: estratégias de mémória e mitologias políticas*, por Denis Rolland**

A história tem uma vocação política ou, diríamos hoje, cívica. Mas todos os autores estão conscientes disto? Percebem eles, na sua justa medida, as questões envolvidas em sua publicação, sobretudo quando virtual – e, pois, doravante, freqüentemente sem filtro exterior, editorial, ideológico, econômico? A “socialização” está, além disto, inteiramente descontrolada, “selvagem”, sem a mediação da compra, do empréstimo ou da reprodução do livro ou da revista…

As instituições têm uma memória, e uma memória que tem uma relação muito variável com a história do tempo presente.

Há uma fonte nova, ainda pouco estudada, em rapidíssima expansão, totalmente inscrita no tempo presente e que deu ensejo a muito poucos exames críticos: a internet. Ora, a internet propõe história, apresentada com ou sem entusiasmo, com escalas históricas muito variadas, tempo longo ou muito curto: uma história que assume freqüentemente a forma de narrativas, recuperadas a partir de fontes – próximas ou longínquas – de reelaborações ou reconstruções mais ou menos coerentes… Mas esta história de costuras invisíveis, amiúde (embora nem sempre) desajeitada ou sumária, quando se trata de sites elaborados por particulares, é, de bom grado, quando se trata de sites mais oficiais, repleta de dissimulações, de amnésia – construtiva ou de mal-estar: história, compreende-se, de quantidade e qualidade muito variáveis.

O problema é que o espírito crítico do leitor não está, atualmente, à falta de limites conhecidos (geralmente, a única classificação disponível na rede é a da freqüência), em condições de funcionar para a internet da mesma maneira que para um livro ou uma revista: lendo-se, no Brasil ou na França, uma revista de grande divulgação, como História1, o leitor informado sabe que não lê uma revista científica como Tempo, no Brasil, ou Annales, Genèse ou Matériaux pour l’histoire de notre temps, na França. A internet apresenta um discurso muito indiferenciado e cujo nível de credibilidade científica é, muitas vezes, desconhecido. Assim, a extraordinária transparência da “tela” mascara, com freqüência, a opacidade de suas origens e o anonimato de seus criadores ou autores. Pois o escrito “virtual”, raramente assinado, oferece, amiúde, para os consumidores, sem que o internauta o saiba, uma história sem historiador. Ao contrário da produção impressa, para a qual se dispõe de instrumentos de discriminação (bibliografias, resenhas críticas, reputação científica…), para a “rede” não existem hoje senão muito poucos meios para avaliar a qualidade do que nela se oferece; e as “sitegrafias” não são numerosas nem muito confiáveis. Há, além disto, um agravante: a virtualidade da informação conduz facilmente a uma falta de distanciamento; em função de uma relação mais distante com fontes mais diversificadas, a informação que chega às telas é julgada e utilizada a priori por estudantes e jovens pesquisadores com menos filtros críticos ainda do que a informação impressa. De certo modo, a magia da acessibilidade de dados distantes, somada à juventude do meio de informação, prejudica em parte o olhar potencialmente crítico.

Tratar-se-á neste trabalho de um exemplo particularmente elucidativo da imensa variedade qualitativa desta cacofonia informativa, concebida com parâmetros e objetivos muito diversos, mas raramente anódinos: a relação com a história das instituições do Estado. Em todo o planeta, os Ministérios das Relações Exteriores equiparam-se com sites de internet, concebidos ao mesmo tempo como instrumentos práticos e como vitrines. A experiência comprova que serão, doravante, utilizados com maior freqüência como fonte de informação e documentação por estudantes e amantes de história ou relações internacionais. Estruturas de Estado, inscritas no longo prazo, por definição muito visíveis desde o exterior e conscientes do papel que desempenham na difusão de uma imagem nacional, estes ministérios, atores, entre outros, no âmbito das relações internacionais, têm uma forte ligação com a história do país, por via da história das relações diplomáticas (por muito tempo confundida com a história das relações internacionais).

Nem todos os Estados possuem sites ministeriais: muitos Ministérios de Relações Exteriores de países pouco desenvolvidos não os têm, muitas vezes por razões de pobreza, como a maior parte dos países africanos e o Paraguai; no caso de Cuba, a explicação para esta ausência é, sem dúvida alguma, mais complexa. Contudo, para se “navegar” pelos sites existentes dos ministérios encarregados das relações internacionais, impõe-se uma constatação: nos países desenvolvidos ou em vias de industrialização, a relação com a história, quando existe, não é vinculada à estrutura ministerial; parece bem mais ligada à vontade de seus responsáveis nacionais de mostrar ou não, total ou parcialmente, a história nacional. A construção de um site na internet é, geralmente, o resultado de uma agenda de tarefas bem definidas: então, a decisão de recorrer ou não à história parece ter sentido; ela tem a ver, notadamente, com uma representação que os governantes dos países desejam oferecer de si mesmos, numa certa concepção ou escala da potência nacional.

* Este trabalho é o resultado de pesquisas na internet, realizadas durante o segundo semestre de 2001 e apenas reflete a situação destes sites nesta data.

** Universidade Robert Schuman, IEP Institut Universitaire de France Pesquisador Associado ao CHEVS, FNSP Diretor de Estudos, Institut d’Etudes Politiques, Paris.

>> O texto contínua aqui [PDF disponível].

>> Fonte: Revista Tempo do Departamento de História da UFF.

DInternet e história do tempo
presente: estratégias de mémória e
mitologias políticas *
Denis Rolland**

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