O JSTOR lançou este ano um projeto paralelo: o JSTOR Daily. A novidade funciona basicamente como um blog que se propõe a publicar diariamente um conteúdo que ofereça ao leitor uma “nova forma de ver o mundo” (é mais ou menos assim que se descrevem), em linguagem acessível para o grande público e sempre bebendo na fonte do acervo digital do próprio JSTOR – um portal científico acessível para todos. Oferecendo tanto textos curtos, como textos um pouco mais longos, o projeto espera alcançar um público que não precise ter doutorado para entender as ideias de um pesquisador em seus artigos.
O tom da comunicação é diferente dos textões acadêmicos – monográficos, dissertativos, cheios de jargões e protocolos internos à comunidade pesquisadora, como as notas de pé de página. Mas, ainda assim, conserva certo rigor, resguarda uma autoridade, como se pode notar do que destaco das diretrizes editoriais do próprio projeto:
The voice is smart, curious, engaged, insightful, and friendly, but still authoritative. As readers make their way through a piece, they should feel smarter without feeling intimidated. The idea here is that scholars have interesting insights into the world, and one doesn’t have to hold a PhD to understand or appreciate those insights. Features will be written by a combination of journalists and scholars with the goal of highlighting the research in the JSTOR collection—every story will provide at least one link in to content on JSTOR.org. We’d like to tease out the still-relevant, newsworthy, entertaining, quirky, surprising, enlightening stories therein. Since JSTOR comprises primarily archival content rather than contemporary research, we imagine that each piece of content on the magazine site might tell a story about the present that is informed by the past, or at least provide a backstory to the stories of the present.
Por essas e outras, considero-o uma promissora iniciativa de história pública digital, porque:
1. Apresenta informações em diversos estratos, através de textos em camadas graças ao emprego de hipertextos (que fazem a ligação das referências dos textos com o acervo de fundo, além de sites externos);
2. Descentraliza a autoridade do pesquisador, empoderando o leitor para também produzir sentido para as fontes e bibliografias citadas no texto, não só disponibilizando os “créditos” da informação citada, mas o acesso instantâneo ao próprio documento ou literatura em questão, possibilitando processos de co-autoria, releitura, livre interpretação direta do original;
3. Promove uma experiência para além do texto (e da leitura), abrindo espaço para a curiosidade e o interesse próprio do leitor guiar a sua exploração do material além do texto-base, proporcionando uma experiência para além da leitura que apenas “escaneia” o texto e o abandona. No caso específico na história, essa proximidade com as evidências do texto e com a bibliografia trabalhado pode ser significativa na construção do pensamento histórico crítico da parte dos leitores “não especialistas”, favorecendo a percepção da historicidade das fontes históricas, bem como o caráter caráter construído da história como um produto social, mesmo quando se busca o conhecimento científico, e não uma equivalência de um passado que estaria dado nas fontes, tal e qual, “foi”.
O JSTOR Daily aparece com um proposta potente para divulgação de um acervo digital, especialmente porque adaptada à lógica da cibercultura e da Web 2.0 (só senti falta da seção de comentários para os textos), oferecendo a possibilidade de leituras mais rápidas e uma navegabilidade diferente da do impresso, que, contudo, não se perde, já que as referências estão lá para quem desejar “ir mais fundo”. Isso, porém, não é exatamente inédito. Procedimentos parecidos já vinham sendo feitos aqui e ali de maneira um pouco dispersa, intuitivamente, seguindo as facilidades da Web 2.0 para o compartilhamento do conhecimento. São inúmeros os pesquisadores que hoje em dia mantêm seus próprios blogs e perfis em redes sociais e fazem isso por conta própria, promovendo a sua produção autonomamente. No Brasil, temos crescentes exemplos dessa prática também em ambientes institucionais. Os dossiês da Biblioteca Nacional, por exemplo, e o Boletim Informativo “Sebastião” (AGCRJ), bem como a Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, realizam um trabalho similar de divulgação e promoção de acervos.
O que me despertou curiosidade em acompanhar o JSTOR Daily de perto, no entanto, para além do seu formato genuinamente digital (born digital, hipertextual), foi a proposta de uma publicação tão amiúde (diária), colaborativa e polifônica. A versão digital da Revista História Ciências Manguinhos, aliás, é um exemplo bastante próximo de divulgação científica no cenário brasileiro, guardadas as proporções e os diferentes escopos de um acervo como o JSTOR e desta revista. No post Diamantes, doenças e saúde em Angola (718 palavras), a divulgação via hiperlink do artigo Cuidados biomédicos de saúde em Angola e na Companhia de Diamantes de Angola, c. 1910-1970, de Jorge Varanda, em um número recente da revista (vol. 21, n. 2, abr./jun. 2014), me parece uma estratégia de aspirações idênticas àquela do JSTOR Daily: convidar o leitor, seja ele especialista ou parte do “público em geral”, para ir diretamente às referências e, assim, promover maior acessibilidade àquele material, no caso da revista, os artigos dos seus números impressos, também disponíveis online na íntegra (via Scielo). No caso dessa revista, porém, é possível fazer login para deixar comentários nos posts, exatamente como em um blog. 🙂 Por outro lado, a avaliação, produção, edição e publicação de textos no blog da revista ainda se restringe a uma pequena equipe (10 pessoas, ainda que exista colaboração de convidados), enquanto o board de autores do JSTOR Daily promete se tornar gigantesco (qualquer pessoa interessada pode submeter uma postagem – longa ou curta, bem como propor uma coluna). Nada impede, porém, que amanhã a revista proponha novidades. Estou de olho! 😉
Por fim, deixo como recomendação a leitura do artigo “(Un)Catalogued: Finding Your Place by Looking at Maps” (932 palavras) de Megan Kate Nelson, do blog Historista, que também escreve para o JSTOR Daily. Num misto de linguagem acadêmica e jornalística, estilo que lembra um pouco o Blessay de Daniel Cohen, a autora parte de um diagnóstico do presente sobre orientação e memória, contextualizando a proeminência da tecnologia do GPS na geolocalização de pessoas hoje em dia e recua no passado para abordar a relação da história, da cartografia e da orientação num tempo em que mesmo os mapas de papel rareavam. Com esse movimento presente–passado, ela consegue engendrar as ligações internas para os materiais do JSTOR através de hiperlinks (ainda que o forte do JSTOR não sejam sobre o contemporâneo) e utilizar essas informações como argumentos de autoridade para o seu texto.
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